Quando um estudante de Música informa que seguirá na carreira profissional, quase sempre há uma comoção entre os familiares, preocupados se a escolha lhe dará independência financeira. Mesmo o show business tendo muitos artistas famosos e milionários, já tive vários alunos que foram retirados do curso por estarem indo "bem demais", com receio que "tomassem gosto" e se dedicassem menos às prioridades estabelecidas por seus pais.
Mas, afinal, por mais prazeroso que seja tocar um instrumento, vale a pena TRABALHAR com Música? Independente do preconceito e controvérsia que envolvem a questão, será um ramo onde o mundo é colorido e repleto somente de prazeres ou algumas preocupações são justificadas? Veja os prós e os contras, começando pelas desvantagens:
1) Remuneração incerta e muito variável: apesar de existirem diversos ramos de atividade na área, a quase totalidade delas são prestações de serviço, ou seja, ganha-se por trabalho executado, variando o ganho mensal de acordo com a demanda do mercado. Até as celebridades (que, não raras vezes, chegam nesse patamar por sorte/acaso, ao cair no gosto popular e "emplacar" um ou mais sucessos, independente de sua qualidade artística) estão sempre sujeitas à aceitação por parte do público: nas vendas de CD's, contratação para shows e direitos autorais de sua obra em regravações. Nas escolas de música, conservatórios e faculdades privadas paga-se uma porcentagem da mensalidade do aluno ou por matéria/mês dada. Apenas professores em universidades públicas conseguem uma posição mais estável, cuja remuneração independe da quantidade de alunos. Existem algumas situações em que o empregador paga um salário fixo ao músico para segurá-lo na função, mas é uma situação cada vez mais rara nos dias de hoje, até para evitar a criação de algum vínculo empregatício que possa gerar a sujeição às leis trabalhistas;
2) Período longo de estudo/preparação: começar a estudar precocemente é determinante quando se pretende trabalhar na área. Além dos níveis básicos durarem vários anos, os cursos técnicos e superiores em Música (ao contrário dos outros) não aceitam alunos iniciantes e requerem um conhecimento prévio para admissão (avaliado em provas específicas de seleção). Mesmo os autodidatas necessitam de muito treinamento antes de terem condições mínimas de performance (veja, também, neste blog: Existe uma idade certa para começar a estudar piano?);
3) Não ter independência financeira no início dos estudos: ao iniciar a prática musical bem cedo (vide item anterior), a criança e o adolescente (o qual já começa a definir seu rumo profissional) estão sujeitos às decisões de seus pais/mantenedores para comprar o equipamento, pagar as aulas e/ou, muitas vezes, serem levados até o local. Sem o apoio destes, fica muito difícil para o jovem iniciar sua trajetória sozinho;
4) Arte e Cultura são pouco valorizadas em países sub-desenvolvidos: por receberem pouco incentivo do governo, as atividades artísticas são relegadas a mero supérfluo de luco, até mesmo por boa parte da classe alta, sendo um dos primeiros setores a sofrer em períodos de crise/recessão econômica. Esse quadro acaba refletindo diretamente na quantidade, qualidade e remuneração dos serviços prestados pela classe musical, que só costuma ser reconhecida/respeitada quando consegue atingir a fama midiática, independente de sua qualidade/relevância;
5) Precisar diversificar a atividade na área: quase sempre, mesmo um profissional da Música precisa ter vários trabalhos para aumentar o seu rendimento e sofrer menos com as oscilações do mercado (vide item anterior), que variam de caso a caso. Quando você atua em áreas diferentes ou exerce a mesma função em outros lugares, é menos afetado por crises de um determinado setor ou de um contratante específico;
6) Tarefas agregadas que raramente são remuneradas: muitas funções que fazem parte do trabalho e ocupam bastante tempo não costumam ser pagas, como tirar músicas, escrever partituras, ensaiar, passar o som, preparar uma aula e dedicar-se a meios de divulgação;
7) Trabalhar em horários não convencionais: quase todos os eventos acontecem durante a noite/madrugada, nos fins de semana, feriados e datas comemorativas. Assim, os músicos acabam trabalhando em dias/horários não convencionais (fora do horário comercial), para não atrapalhar os períodos mais comuns de trabalho dos convidados/clientes. Da mesma forma, os horários mais procurados para fazer aula de Música são durante a semana à noite e aos sábados, que correspondem aos períodos livres da maioria das pessoas;
8) Muitas vezes precisar abdicar da vida social: por atuar em horários "alternativos" (vide item anterior), o músico está trabalhando nos períodos comumente reservados para a diversão das outras pessoas, comprometendo sua disponibilidade de convívio social com parceiros, familiares e amigos;
9) Lidar com ciúme de parceiros que não entendem/aceitam a profissão: relacionar-se com alguém que não trabalha na área requer um tremendo esforço de ambas as partes, para lidar com os poucos horários livres em comum e os assédios resultantes da super-exposição e do fascínio característico das profissões artísticas;
10) Investir em equipamento caro: tocar/estudar num instrumento mais barato e de menor qualidade interfere diretamente no desempenho de seu treinamento e no resultado/qualidade de seu trabalho (veja, também: Piano acústico, digital ou teclado?);
11) Ter um carro para transportar instrumentos caros e pesados: além da grande maioria dos eventos terminarem de madrugada (quando não há mais transporte coletivo), também é bastante complicado, arriscado e muitas vezes impossível de se transportar um instrumento grande, pesado e frágil sem ser num carro;
12) Suportar grande desgaste físico e emocional: tocar em festas/eventos é bem desgastaste para o músico. Como se não bastasse as horas seguidas em pé, sem poder beber água ou ir ao banheiro, ele ainda precisa, por meio de sua performance, contagiar aquela pessoa indiferente, sentada/parada em frente ao palco, a participar da festa. Além do desgaste físico de pernas, braços, costas, cordas vocais (que podem ser atenuados com aquecimento, treinamento e conhecimento técnico/fisiológico dos músculos envolvidos) e do ouvido (dependendo do tipo de sonorização do grupo), há o desgaste cerebral/emocional, que é primordialmente utilizado quando se toca. Se o músico também exerce outra função (vide item 5) em horário comercial, ainda corre o risco de, frequentemente, só ter poucas horas de sono entre um trabalho e outro;
13) Em algumas ocasiões ter que trabalhar sem condições físicas ou emocionais ideais: por exercer (dependendo do caso) uma função de extrema responsabilidade dentro de um grupo, o músico não pode, em cima da hora, decidir faltar em um evento, pois quase nunca é possível encontrar/ensaiar um substituto à altura, que não comprometa a qualidade do trabalho e acabe prejudicando todo o grupo, além de pegar muito mal com o contratante, que vai pensar duas vezes antes de contratá-lo novamente. A palavra do músico (confiabilidade) é sua principal reputação: muitas vezes prefere-se contratar um menos impressionante mas que faça seu papel e honre seu compromisso do que outro virtuose que não cumpra compromissos assumidos. E é aí que está a chave da questão: um músico "mediano" que esteja bem ensaiado, pode render igual ou até melhor que um outro excepcional que não se dedica como poderia, tirando as músicas de qualquer jeito e faltando em ensaios e apresentações. Assim, é muito comum ser obrigado a recusar serviços melhores (mais rentáveis e/ou importantes) por outro firmado anteriormente;
14) Lidar com a arrogância de colegas de trabalho: sendo uma aérea que lida com fama e glamour, não é incomum trabalhar com pessoas que valorizam em demasia a sua importância, seja pelo seu cargo e/ou renome conquistado. Apesar da maior incidência com cantores e maestros, ninguém da área está imune aos "caprichos" do ego: músicos, professores, dançarinos, produtores, cerimonialistas, assessores, técnicos e até roadies (carregadores/montadores) quando trabalham para alguém famoso;
15) Ser avaliado pela fama e não pela qualidade profissional: frequentemente o músico é valorizado de acordo com sua própria fama, da música que está tocando ou da pessoa que está acompanhando. A maioria do público ainda tem a ilusão romantizada de que todo talento é reconhecido pelo mercado, ignorando/desconhecendo a influência predominante da indústria cultural e medindo a qualidade artística pela sua repercussão na mídia. Essa falta de conhecimento acaba, também, relativizando a percepção de uma performance, levando as pessoas a avaliarem um músico de acordo com seu gosto pessoal;
16) Ser responsabilizado pelo insucesso de alunos que não estudam: sina comum à toda classe professoral, é potencializada no ensino musical pela característica pessoal/individual das aulas de instrumento. Por se tratar, primordialmente, de um treinamento prático, o professor de música pouco pode fazer pelo aluno que não estuda e não segue suas orientações. Só que, nem sempre, o aluno e/ou seus responsáveis tem essa compreensão do processo, responsabilizando exclusivamente o professor pelo cumprimento de expectativas muito altas e irreais que eles mesmos criaram;
17) Levar má reputação: é um ramo que ainda sofre muito preconceito e pré-julgamento (eternizados na cultura popular pela fábula 'A Cigarra e a Formiga', desde o século V a.C.), sendo associado a práticas de boemia e "vida fácil" por suas características festivas e noturnas. Assim, é muito comum, infelizmente, ver pessoas (direta ou indiretamente) se referindo ao músico como alguém que não trabalha, que tem a vida desregrada (envolvido com farra/vadiagem) e sem preocupações com o futuro, que é alcoólatra, viciado em drogas, infiel, prostituto, irresponsável e delinquente. A vida exposta dos artistas (esmiuçada pela mídia para satisfazer a curiosidade dos fãs) e a falta de preparo emocional de muitos deles para lidar com a fama e o enriquecimento rápido, acaba alimentando ainda mais essa avaliação popular.
Ufa! Agora vamos às vantagens:
1) Diversos ramos possíveis dentro da área: o mercado musical oferece muitas aéreas diferentes de atuação. E mesmo dentro de cada área, há diversas ramificações e especializações;
2) Trabalhar naquilo que gosta, que tem como vocação: uma pessoa que tem aptidão ou fascínio pela vida artística sente-se privilegiada e gratificada quando consegue fazer de sua arte sua profissão;
3) Exercer uma profissão prazerosa que lida com a felicidade das pessoas: além da comprovação científica de estimular a atividade cerebral, causando prazer em quem a pratica, a Música se faz presente principalmente em shows, festas, cerimônias e comemorações, momentos onde os ouvintes estão com a sensibilidade aflorada (alegres e receptivos);
4) Liberdade para selecionar serviços e determinar o seu horário: como toda atividade autônoma, o músico tem maior liberdade de selecionar seus trabalhos, negociar seu preço e o período do dia que se dedicará à função;
5) Trabalhar em lugares variados: mesmo quando fica por muito tempo tocando um mesmo repertório, o músico raramente se entedia no trabalho, pois atua em lugares diversos, para públicos diferentes, tendo a possibilidade de conhecer localidades distantes, caras ou de acesso restrito que, normalmente, não teria condições de frequentar;
6) Encantar as pessoas com seu trabalho: pela característica sensorial, a Música é uma das poucas atividades que pode ser apreciada por praticamente qualquer pessoa, mesmo a completamente leiga, causando fascinação pela maneira imaterial e invisível que sensibiliza os ouvintes;
7) Conseguir alguns trabalhos que não necessitem de graduação: apesar de requerer muito estudo e especializações tanto quanto as profissões de formação mais demorada e exigente, muitos ramos da área musical podem ser exercidos por amadores, autodidatas e/ou estudantes ainda em processo de formação;
8) Ter a possibilidade de desfrutar um sucesso repentino e aumentar o rendimento rapidamente: mesmo dependendo de uma boa dose de sorte, é possível estar envolvido num trabalho que consiga fazer muito sucesso de uma hora pra outra, aumentando exponencialmente seu ganho e repercussão profissional (até sem ter estudado muito);
9) Receber feedback instantâneo: como a performance musical é feita em tempo real, o músico recebe a resposta do seu trabalho no mesmo instante, tendo uma ideia de sua aceitação pela reação do público. Em algumas situações, dependendo da extensão e variedade do seu repertório, pode até adaptá-lo de acordo com o perfil de ouvinte que encontrar e da resposta que estiver obtendo durante a apresentação;
10) Entreter, conectar-se e trocar energia com pessoas que apreciam seu trabalho: mesmo em bares, festas e eventos, onde o público não está indo propriamente assistir a apresentação musical, um repertório bem colocado e/ou uma boa execução/performance contagiará os ouvintes a participarem e interagirem, pois, com poucas exceções, já estarão pré-dispostos pelo ambiente festivo (vide item 3 desta lista de vantagens). Num show ou apresentação específica, conseguir essa interação é ainda mais natural, já que os ouvintes foram até lá especificamente para assisti-lo (o músico cover tem uma experiência bem próxima quando toca uma música que esteja fazendo muito sucesso ou quando sua performance sensibiliza o fã do artista que está sendo reproduzido);
11) Gostar de trabalhar com Música;
12) Gostar de trabalhar com Música;
13) Gostar de trabalhar com Música;
14) Gostar de trabalhar com Música;
15) Gostar de trabalhar com Música;
16) Gostar de trabalhar com Música;
17) Gostar de trabalhar com Música.
Os últimos sete itens são uma alusão ao amor que move a grande maioria de seus profissionais, tornando suportável as desvantagens e equilibrando a balança de satisfação/realização.
Conheci dois ex-músicos que abandonaram a profissão para melhorar seu nível econômico trabalhando em outra área. Ambos conseguiram esse objetivo. O primeiro disse estar arrependido pois, agora que ganhar dinheiro não era mais um problema para ele, percebeu que era mais feliz quando era músico e com renda menor. Já o segundo disse estar convicto de ter feito a escolha certa, pois sabia que dificilmente conseguiria comprar a residência no bairro de classe média-alta onde morava e o carro de luxo que possuía se tivesse seguido na carreira musical. Qual opinião é a mais sensata? As duas, já que as avaliações refletem o que é mais importante para cada um deles! O que faz uma pessoa feliz pode não fazer uma outra. Mas e VOCÊ? Com qual prioridade se identifica mais? Pense nisso antes de tomar sua decisão!